segunda-feira, 9 de junho de 2008

Negrinha - Monteiro "Joey" Lobato

Acabei de ler "Negrinha" de Monteiro Lobato, impossível para mim não fazer um paralelo com minha vida, uma espécie de efeito P. T. Barnum.

Não tenho uma relação boa com meus pais, alias não tenho relação alguma com meus pais. Mamãe aos catorze anos conheceu papai com dezesseis anos no sentido bíblico. Os hormônios em fúria desses dois adolescentes resultou na gravidez de mamãe causando espanto ao médico que proclamou "Uma criança gerando outra" no dia que nasci.

O casamento das crianças durou dez meses. Papai voltou a soltar pipas e jogar bolinha de gude, mamãe comprou sapatos, saia de chita nova, penteou os cabelos longos, amarrou com um laço vermelho, perfumou-se e foi para o jardim viver junto as entre cigarras mas trabalhando com as formigas.

Fiquei orfão aos cuidados de Dona Inácia, que dispensou cuidados e mimos semelhantes aos de Negrinha - tinha experiência centenária. Morri aos 10 meses e só nasci depois aos 14 anos, idade quase igual a de mamãe quando ganhou o mundo, mas eu ganhei asas e antes de pular no precipício resolvi me despedir de Dona Inácia.

Vivi então gloriosamente, lutei ao lado de piratas, durmi o sono dos heróis na relva verde dos campos, roubei frutas das maceiras mais altas do Éden, cavalguei a pêlo junto ao mar, colhia flores, gostava delas e esquecia-as. Escondido, levantava a saia das meninas e toda gente achava graça. Uma aventura.

Numa tarde fria de outono Dona Inácia me encontrou então com vinte três anos e casou-se comigo, dessa vez não morri, matou-me vagarosamente. Era um matar, matar, matar, matar e não morrer durante dez anos. Era a morte devagar. Depois de caminhar com os mortos nesse tempo, como Jesus ressuscitei aos trinta e três.

E finalmente conheci Papai e Mamãe. Mas eles não me conheciam. Voltei a andar com os piratas, durmir ao relento, comer e beber até o vigoroso arroto. Com os braços cruzados e mão no queixo, mamãe com cara de pesar suspira e diz:

- Não entendo, tanto zelo e cuidado de Dona Inácia na educação desse menino. Como pode?

Assim são minhas muitas suspeitas sobre educação.

Um comentário:

Eu, sem clone disse...

Caramba! Que descoberta fiz hoje no blog da Martha!
Tô gostando de ler, tio Aderbal! Essa tua historia é veridica??
se não for veridica, és um grande poeta da vida. Sem lenga-lenga.
Sucesso!